A algumas semanas da Lisbon Maker Faire estávamos a discutir sobre que projectos iríamos apresentar este ano. Queríamos levar algo grande, algo diferente e foi então que nos veio à cabeça a ideia, e porque não uma cúpula geodésica? Conforme estávamos a trabalhar no projecto dos SatNOGS, que publicaremos em breve, cruzámos-nos com as cúpulas para proteger as antenas, um radomo. Começou por ser uma ideia um pouco estranha mas eventualmente concluímos que era suficientemente simples para que conseguíssemos concluir num curto espaço de tempo, utilizando conectores impressos a 3D, e tubos VD e as respectivas abraçadeiras. Patrocinados pelo Grupo Rolear!

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Começámos por procurar calculadores de cúpulas online, e por acaso até existem vários. Utilizámos maioritariamente o do site Desert Domes, e a primeira coisa que pede é o tipo de cúpula. Então vamos voltar um pouco atrás.

As cúpulas geodésicas são estruturas arquitectónicas formadas por múltiplos elementos triangulares, na qual qualquer força aplicada é uniformemente distribuída pela sua estrutura até à base, apresentando por isso uma grande robustez mas mantendo a sua estrutura leve. Por estas razões tornaram-se bastante populares.

A primeira cúpula que se pode chamar de “geodésica” foi desenhada por Walther Bauersfeld para o planetário Carl Zeiss em Jena, Alemanha, pouco depois da primeira guerra mundial. Uns anos mais tarde, R. Buckminster Fuller apelidou a cúpula de “Geodésica” quando trabalhou na física e engenharia da cúpula, estudando os seus princípios de tensão e compressão. Apesar de Fuller não a ter inventado, ele foi responsável por torná-la popular, devido ao seu estudo matemático da cúpula, pelo qual ele recebeu a respectiva patente em 1954.

Apesar da sua forma primária ser uma esfera, a maior parte dos materiais de construção são planos, foi esta necessidade que levou ao desenvolvimento da cúpula através de formas triangulares que se assemelham a uma esfera. Preferencialmente utilizando triângulos equiláteros todos do mesmo tamanho, mas apenas 3 formas matemáticas existem para isto, o tetraedro, o octaedro e o icosaedro:

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Quanto mais superfícies, mais parecido é a uma esfera, pelo que o icosaedro é a melhor solução. Ainda assim, 20 faces não é suficiente, uma vez que as arestas teriam que ser bastante longas e resistentes para não vergarem. Então a solução é dividir cada face em mais triângulos equiláteros, por exemplo em 4, 9, 16 ou qualquer outro número quadrado perfeito:

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O problema é que, ao dividir os triângulos, continuamos com uma superfície plana, que não será tão resistente quanto poderia ser, então é necessário empurrar estas subdivisões de triângulos de dentro para fora da cúpula. Isto gera uma perspectiva tridimensional e implica que os triângulos deixem de ser planos e equiláteros, é aqui que a matemática se torna mais complexa, e é por isso que é boa ideia usar os calculadores online.

É este nível de subdivisões de triângulos que categoriza os tipos de cúpulas geodésicas. Por exemplo, no calculador do site Desert Domes, é dado a escolher o tipo de cúpula entre 1V e 6V, mas o que é isto? Bem, isso corresponde às subdivisões dos triângulos equiláteros originais do icosaedro:

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Então 1V é 1 subdivisão, 2V são 4 subdivisões, 3V são 9 subdivisões, 4V são 16, 5V são 25 e 6V são 36 subdivisões. Quanto mais subdivisões, mais a cúpula se parece com uma esfera, mas também se torna mais complicada de construir, uma vez que existirão mais arestas com uma maior variedade de medidas diferentes.

Nós queríamos construir a cúpula com tubos VD, que geralmente são vendidos em varas de 3m. Então seria conveniente que a quantidade e dimensões das arestas coincidissem com as varas. Também queríamos ter uma estrutura relativamente grande, com pelo menos 2m de raio. Após alguns cálculos, chegámos à conclusão que o melhor para nós seria fazer uma cúpula 3V com um raio de 2.4m, uma vez que as cúpulas 3V apenas têm 3 medidas diferentes de arestas e neste caso todas com menos de 1m cada, o que significa que as 3 arestas caberiam numa única vara de tubo VD, minimizando os desperdícios:

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Agora é altura de escolher que percentagem da cúpula queremos construir. Na tabela acima podemos ver que são dados os materiais para uma cúpula de 3/8 e de 5/8 de esfera. Cúpulas que têm números ímpares de subdivisões, por exemplo 3V (9 subdivisões) ou 5V (25 subdivisões), não têm uma linha central ou linha de “equador” para dividi-las ao meio, por isso temos que optar entre construí-las ligeiramente maiores ou menores a uma meia esfera. Infelizmente isto também significa que nestas cúpulas ímpares a base não assentará bem no chão, uma vez que a sua linha inferior de arestas não está paralela ao chão. Optámos por fazer a de 5/8 de esfera, pelo que com o raio de 2.4m, ao centro da esfera, o topo da cúpula estará ainda mais alto, neste caso aproximadamente a 2.8m.

De acordo com os cálculos, para 5/8 de esfera vamos precisar de 30 arestas A com 836mm, 55 arestas B com 968mm e 80 arestas C com 989mm:

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Para os conectores vamos precisar de 15 com 4 saídas, de 6 com 5 saídas e de 40 com 6 saídas.

Existem vários tipos de conectores para cúpulas, mas queríamos fazer algo diferente e que fosse prático com as ferramentas que temos. Então decidimos desenhar um modelo 3D para imprimir, afinal são só 3 tipos diferentes de conector, e um total de 61 conectores. Tentámos vários desenhos diferentes, alguns deles baseados em acessórios para tubo VD:

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Mas todos eles usavam demasiado material, ou não seriam suficientemente robustos ou práticos durante o processo de montagem e desmontagem.

Eventualmente chegámos a um desenho, utilizando abraçadeiras para tubo VD e parafusos e porcas M5. Desta forma apenas é necessário imprimir o suporte para as abraçadeiras, com o respectivo ângulo para a curvatura da cúpula. Geralmente para cúpulas 3V, os ângulos são entre 10º e 12º, mas para simplificar fizemos-los todos iguais com um ângulo médio de 11º:

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Disponibilizámos os modelos 3D no Thingiverse.

Depois foi só uma questão de dividir o trabalho de impressão por todos os nossos membros do hackerspace que têm impressoras 3D.

E em apenas alguns dias, os 61 conectores estavam prontos:

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Depois disto estava na altura de arranjar os tubos VD e as abraçadeiras. Felizmente conseguimos um patrocínio do Grupo Rolear, que muito gentilmente ofereceu alguns dos materiais que necessitávamos. A Rolear é uma empresa portuguesa representante de algumas marcas que fornecem soluções de automação, sistemas hidráulicos, electricidade, entre outras áreas.

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De acordo com os cálculos, precisávamos aproximadamente de 170m de tubo VD e pouco mais de 300 abraçadeiras. Utilizámos tubo VD20.

Agora que tínhamos o material, começámos a colocar as abraçadeiras nos conectores impressos a 3D e a apertá-los com os parafusos e porcas M5:

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Para os tubos utilizámos um software de optimização de corte para garantir que não desperdiçaríamos mais que aquilo que tinha que ser. Depois de obtermos os resultados da optimização começámos a cortar os tubos:

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E em menos de 20 minutos, todas as arestas estavam prontas para começar a montagem da cúpula:

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A montagem foi bastante rápida, levámos pouco menos de uma hora a completar e até foi bastante divertido 😛

Este sistema de conectores impressos a 3D com abraçadeiras demonstrou ser bastante útil durante o processo de montagem e desmontagem, mais rápido que as outras alternativas mais usuais, no entanto torna a estrutura um pouco menos robusta uma vez que os tubos podem saltar das abraçadeiras quando a força exercida na estrutura é demasiada. Tivemos este problema na secção dos 3/8 de esfera mas só depois de completarmos os 5/8. Isto porque esse ponto torna-se a parte mais exterior da cúpula, e a força exercida na curvatura da cúpula tende a abrir essa secção. No entanto arranjámos facilmente uma solução, passando um fio de nylon no interior dos tubos nessa secção, apertando bem toda a cúpula.

Levámos ainda a cúpula à  Lisbon Maker Faire 2015 o que provou ser uma grande adição ao evento, causando um grande impacto:

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Obrigado Grupo Rolear pelo apoio!


João Duarte

Um dos fundadores do eLab Hackerspace. Pós-Graduado com uma Especialização em Engenharia Eléctrica e Electrónica. Alguns dos seus interesses incluem fabricação digital, domótica, robótica, alta tensão e química.

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